O QUE FAZEM OS SOLITÁRIOS????

O QUE FAZEM OS SOLITÁRIOS????
a solidão perturba, machuca, mas como toda a indicação de um bom médico... Nada em excesso faz mal - ou melhor, quase nada! rsrs... A solidão, às vezes faz bem! Porém Ana, deixou sua vida, por 2 anos se tornar um mar solitário... LEMBRANÇAS DE UMA ADOLESCENTE!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Continuação do primeiro capítulo de LEMBRANÇAS DE UMA ADOLESCENTE!

Fomos para a sala. Jacson estava sentado sobre uma mala, sonolento. Suas bochechas rosadas e fofas estavam em perfeita combinação com seus olhos dominados pelo sono.

Passei com a cadeira por entre algumas malas e bati a mão em sua nuca.

- Acorda moleque – comecei a rir.

- Ana? – interferiu meu pai, que estava prestando atenção em minha brincadeira.

- Eu não estava dormindo – retrucou Jack, ferozmente.

A sala estava lotada por malas, não havia espaço para mais nada.

- Aonde vão com todas essas malas? Pretendem passar um ano fora? – perguntei rindo, enquanto analisava aquele montante.

- Engraçadinha – respondeu minha mãe, fazendo careta.

- Claudia? Você vai também? – perguntei praticamente suplicando para que ela fosse.

- Vou sim – respondeu ela, cautelosamente. – A chácara é da minha família.

- O quê? A tal Toca do Leão é de sua família? – perguntei assustada.

Eu sabia que Claudia tinha uma família voltada ao trabalho do campo, onde a maioria morava em sítios da região, mas eu não sabia que eles tinham uma chácara de comércio.

- Foi ideia do seu pai – ela me interrompeu.

- Não, eu não estou reclamando. Eu adorei, até que enfim vou conhecer sua família – respondi animada.

Fomos todos para o carro. O bagageiro estava entupido de malas, as rodas traseiras estavam desinclinadas em comparação com as outras.

A viagem foi tranquila. Jacson que prometera bagunçar muito durante o caminho dormira o tempo todo.

- Acorda Jack. Chegamos – disse minha mãe, encantada com a entrada da chácara.

Levaram-me para fora do carro. Realmente era lindo o lugar. Havia uma enorme placa de boas vindas pendurada no grande portão de entrada. Um chafariz logo a frente, jorrando água com rapidez, e patinhos brancos nadava ao redor. O ar era tão puro que doía meu nariz de tanto eu sugá-lo. Não tinha o cheiro da poluição dos carros, da fumaça das fábricas de pneus da cidade! Era perfeito.

- O que você está fazendo, Ana? – perguntou meu pai.

- Nossa. Adorei respirar este ar. Ele é tão puro – respondi sugando-o mais ainda.

O ar entrava pelo meu nariz e lavava o meu pulmão acostumado com a área urbana. Eu sentia meu corpo vibrando, agradecendo.

- Calma. Deixe um pouco de ar para nós – retrucou meu pai, sorrindo.

Logo após a entrada, havia algumas cabanas, estas funcionavam como ponto de vendas. A chácara era lotada de hóspedes. Pessoas silenciosas que mal saíam de seus quartos.

O sol estava forte, olhei para a esquerda e vi uma enorme piscina, o reflexo do sol batera em sua água, fazendo com que meus olhos ficassem quase cegos.

- Que piscinão! – disse meu pai, aprovando. Alguns dos clientes da chácara nadavam, a maioria eram crianças.

Sentamos numa mesa à frente da cabana de refrigerantes. Minha mãe mal sentou e começou a comprar. Ela era compulsiva, meu pai vivia brecando suas extravagâncias.

- Por favor – falou ela para o atendente. – Traga quatro refrigerantes gelados.

Meu pai nem estava prestando atenção nela, certamente se estivesse, pediria dois refrigerante ao invés de quatro. Pediria para Jack e eu dividirmos nossa lata, enquanto mamãe e ele dividiriam a outra – e Claudia compraria o refrigerante dela. Ele estava empolgado olhando a paisagem da chácara. O lugar era realmente lindo, cheio de árvores e pombinhas brancas no chão. Fora a piscina que era maravilhosamente bela.

- Marcos? – perguntou minha mãe.

- Oi querida, falou comigo?

- Tome seu refrigerante enquanto ele não esquenta.

- Já está gastando, Fran? – perguntou ele, balançando a cabeça.

- Ué. Se nós viemos acampar, temos que gastar! – disse ela, empolgada.

Os olhos de meu pai voltaram a se fixar na paisagem do lugar.

- Claudia. Como seu pai conseguiu construir um lugar tão lindo? – ele estava três vezes mais admirado.

- Não foi difícil – respondeu ela. – Os onze filhos dele ajudaram – ela riu.

- Ele está de parabéns – disse minha mãe, colocando um canudo em sua lata de refrigerante.

- Obrigada – respondeu Claudia com vergonha, como se o elogio fosse inteiramente para ela.

Eu mal consegui chegar à metade de meu refrigerante, Jack arregalou os olhos para cima dele.

- Não conseguiu tomar tudo, mana? – perguntou-me ele.

- Não. Estou cheia – fiquei olhando para seus olhinhos sedentos. – Quer tomar o restante? – perguntei.

- Com certeza eu quero – disse ele, enquanto agarrava minha lata de refrigerante.

Jack estava acima do peso, minha mãe não ligava muito, porém meu pai queria levá-lo a algum nutricionista para mudar sua alimentação gordurosa.

- Jack, chega de refrigerante por hoje, menino – disse meu pai, repreendendo-o.

Enquanto eles discutiam sobre a saúde de Jack, Claudia e eu resolvemos andar pela chácara.

Ela empurrava minha cadeira com delicadeza, para que as pedras do chão não a estragassem.

- Qual é o lugar mais bonito daqui, Claudia? – ergui a cabeça para poder vê-la.

- Eu acho que o “Cercado” é o lugar mais bonito.

- Cercado? – perguntei.

- É onde ficam os animais. Vacas, bois, cabritos e cabras...

- Entendi – eu ria. – Vamos até lá? – perguntei corajosamente.

- Você não tem medo?

- Não sei. Se eu ficar, nós voltamos – respondi gargalhando.

Claudia levou-me até o Cercado. Realmente era um lugar bonito, os animais estavam calmos, todos eles pastavam, a grama era tão verde que meus olhos demoraram a se acostumar com a cor. Alguns bois e vacas que nos viram chegar começaram a mugir, era muito engraçado, parecia que eles estavam nos dando boas vindas.

Porém, o cheiro do Cercado era horrível, fedia a estrume, é claro. Meu nariz começou a coçar, o odor vinha acompanhado com o vento, contaminando nossa respiração. Impregnando o local.

- O lugar é lindo, mas o cheiro... – eu disse tapando o nariz.

Claudia riu.

- Eu já me acostumei. Sempre que venho para a Toca, ajudo meu irmão a dar cana para a criação – respondeu ela, apoiando-se na cerca que prendiam os animais.

- Irmão? Você nunca me falou que tem irmãos – pluralizei a palavra, pois me lembrei da conversa na cabana. – São onze no total, não é? – perguntei.

- São. Quatro mulheres e sete homens – respondeu ela, olhando para o extenso pasto.

- Nossa. Eu mal consigo suportar o Jacson, imaginou mais nove irmãos.

Rimos.

- Jonas é meu irmão caçula – disse ela. – Ele é o único que ajuda meu pai com a criação – falou ela admirada.

- E os outros? – perguntei.

- Alguns se casaram e foram morar longe, outros estão na faculdade, voltam para casa só nas férias, e eu como já cursei enfermagem, trabalho para sua família – ela falava pausadamente. – Jonas pretende ir para a faculdade em breve... Talvez nesse ano.

- Mas... E quando ele for... Quem cuidará da Toca do Leão? – assustei-me.

- Meu pai contratará alguém. Apesar de ele ficar triste por ver os filhos se afastarem, ao mesmo tempo ele fica feliz, pois todos nós tornamo-nos homens e mulheres de bem.

- Que bom – eu disse, sem assunto. – E sua mãe?

- Ela... Morreu há alguns anos... De Leucemia.

- Eu não... Eu sinto muito – minha voz falhou completamente.

Nessa hora eu percebi que não sabia absolutamente nada sobre a vida de Claudia, eu estava tão entretida em reclamar da minha limitação que não dava espaço para conhecer melhor a minha querida amiga enfermeira.

- Está tudo bem. Quer entrar? – ela apontava para a entrada do Cercado.

- Você quer que eu entre lá dentro, com os animais? – meu coração disparou. – E se eles me machucarem? – fiz cara de dor.

- Não vão te machucar, eles são mansinhos – ela falava enquanto coçava seu cabelo crespo e brilhoso.

Entramos devagar. Alguns cabritinhos que brincavam perto da entrada, ficaram nos encarando por um tempo, mas logo se distanciaram.

- Dizem que bodes são raivosos... – falei quando vi um nos perseguir.

- Esses daqui estão acostumados com gente – disse ela, abraçando o bode perseguidor.

- Você é doida, Claudia – murmurei.

Ela sorriu.

- Mexa nele, Ana – ordenou ela, delicadamente.

Encostei minha cadeira para perto do tal bode, ele se assustou com ela, mas não saiu do lugar. Realmente era mansinho.

- Que lindo – falei quando o fiz carinho.

- Eu te disse, eles são mansinhos – Claudia atraiu todos os outros animais com algumas folhas de cana.

- Claudia. Estou ficando com medo. Aquela vaca parece ser brava – mordi os lábios de medo.

- Estrelinha? – assustou-se ela ao ver meu nervosismo. – Estrelinha é a vaca mais mansa do pasto, Ana – falou ela, com segurança.

Fiquei mais calma com o seu comentário. Claudia era uma enfermeira protetora, nunca colocaria minha vida em risco.

- Ótimo – eu disse aliviada.

- Claudia? – ouvimos alguém chamá-la.

Ela desviou os olhos de mim, procurando a voz que a chamava, depois olhou novamente nos meus olhos, parecendo confusa.

- Deve ser o Jonas – ela o procurava entre os animais. – Eu estou no Cercado – respondeu em voz alta, quase gritando.

O tal Jonas surgiu de trás de uma árvore com uma corda toda suja nas mãos. Eu me assustei um pouco quando o vi se aproximar. Os animais do pasto também, me deixando mais confortável, já que eu não era a única medrosa ali.

- A branquinha escapou – ele estava preocupado.

- Onde você a amarrou? – perguntou Claudia, concentrada no que ele falava.

- Foi o pai que a amarrou. Só encontrei a corda – ele ergueu as mãos mostrando aquela corda fedida e suja.

Jonas era alto como a Claudia, porém sua pele era mais morena que a dela, eu acredito que seja por causa de seu trabalho na chácara. Seus olhos, castanhos escuros, combinavam com o tom de seu cabelo acastanhado.

Ele estava com um uniforme da minha escola, mas eu tenho certeza de que ele não estudava lá – dizem que pessoas de sítio aceitam doações, especialmente de roupa, não são pessoas orgulhosas. Acredito que o meu uniforme era a prova de que Jonas não era nada orgulhoso. Seus cabelos eram enrolados como os de Claudia, porém, curtos demais para perceber a distância.

Nesse momento eu olhei para o potreiro, analisando aquelas tábuas que o formava, nossa, como eram sujas. Envoltas em uma camada grossa de barro.

Vi atrás dele, um rabo peludo e branco. Era uma vaca... Pelo menos eu achava que era.

- Claudia, por acaso a tal branquinha é uma vaca branca? – perguntei confusa.

- Sim – respondeu Claudia, assustada.

- Olha lá. Atrás do potreiro – mostrei a ela aquele rabo branco.

Tive certeza de minha acusação a partir do momento em que a possível vaca andou de ré, balançando o enorme rabo, espantando os mosquitos que estavam em torno dela.

Claudia sorriu aliviada e Jonas correu para pegá-la novamente.

- Sua fujona – resmungou ele.

- Mas como ela entrou no Cercado? – perguntou Claudia, fazendo careta.

Claudia tinha razão, como aquela vaca entrara no Cercado que era protegido com arames farpado e com fios de choque?

- Acho que o pai a colocou aqui e se esqueceu – respondeu Jonas.

Depois de ter capturado a vaca, ele olhou para mim, todo envergonhado.

- Prazer. Meu nome é Jonas – falou esticando uma das mãos sujas.

Eu a apertei. Segurei-me para não fazer cara de nojo. Jonas aparentava ter quinze anos, mas Claudia me disse que ele tinha dezoito.

Enquanto ele amarrava a vaca, Claudia e eu ficamos o esperando debaixo de uma sombra.

- Que sede – sussurrei. Franzi minha testa, percebendo um início de mal humor. A vida do campo parecia ser muito silenciosa, não dava para mim. Por quanto tempo meu pai ficaria com a ideia de mudança na cabeça?

- Já tomou água da mina? – perguntou ela, presunçosa.

- Não. Nunca. Como é? – me fiz de curiosa, tentando ignorar o estresse que se aproximava.

- Vamos levá-la á bica? – pediu Claudia a Jonas, que vinha rapidamente em nossa direção.

- Vamos. Eu também estou com sede – Jonas ficou animado.

Ele parecia ser muito educado. Porém, eu me senti mal quando o vi tirar a camisa. Acho que ele estava com muito calor.

- Jonas, tenha modos – Claudia o repreendeu.

- Desculpe-me – disse ele, colocando a camisa novamente, com o rosto envergonhado.

- Não – eu interferi. – Pode ficar sem... Sem roupa. Eu não ligo – fiquei vermelha quando o vi rindo, provavelmente da minha frase. Pode ficar sem roupa? Ele só havia tirado a camisa! Como eu me detesto nessas horas...

- Obrigado, é que está muito calor – disse ele, retirando-a novamente.

- Vamos? – Claudia estava empurrando minha cadeira em direção a uma trilha.

- Cuidado com as urtigas, elas dão ardência na pele – disse Jonas, que havia a pouco encostado numa.

- Tudo bem – encolhi meus braços que há instantes atrás estavam balançando.

Era difícil chegar até a tal bica d’água, porém parecia muito divertido. Ouvíamos barulhos de taquaras rachando, de passarinhos e de alguns insetos desconhecidos.

- Que harmonioso – suspirei.

Ninguém entendeu o que eu queria dizer, eu estava me referindo ao conjunto de sons da natureza. O som dos pássaros se misturando com o vento forte, com as folhas das árvores, com os demais animais que cantavam escondidos, atrás de alguma moita. Provavelmente nos fitando de longe, fofocando entre si sobre os desconhecidos seres que andavam em sua floresta!

- Chegamos – disse Claudia parando minha cadeira de rodas.

Eu podia ouvir nitidamente o barulho da bica, era delicado, só pelo som parecia que a água seria totalmente cristalina – e isso era o remédio perfeito para acalmar o meu estresse. Era um som forte, bonito que lavava a minha alma.

Claudia aproximou-me, mas eu não fiquei tão perto, pois antes da bica havia muita lama que provavelmente atolaria minha cadeira de rodas.

- Que pena. Queria poder encostar meus dedos na água – resmunguei.

- Não seja por isso – Jonas pegou-me no colo. – Posso? – perguntou-me ele, tarde demais.

- Cuidado para não derrubá-la – Claudia falava preocupada. – Jonas, coloque-a na cadeira de novo – disse ela, autoritária.

Jonas olhou para ela se divertindo, vendo seu nervosismo transpassar o rosto assustado.

- Não. Eu quero tocar na água – eu disse a Jonas, desaprovando a ordem de Claudia. Nesse momento, ela pegou um copo de água, improvisando com as mãos e estendeu-o para mim. – Claudia? – perguntei indignada. – Quero pegá-la com minhas próprias mãos – eu disse, ficando irritada de novo.

Jonas me segurava firmemente. Foi me levando devagar para dentro da bica. Pude ver seu rosto suar de medo.

- Você não vai me derrubar, vai? – perguntei ao vê-lo assim.

- Tomara que não – ele sorriu, seus dentes eram brancos e perfeitos, pareciam com os dentes de Clarice.

A bica era protegida por inúmeras árvores. Era pequena, porém Claudia afirmou ser funda.

- Ui – gritei quando encostei a ponta do dedo na água. – É gelada – olhei descrente de que eu estava certa.

- É gelada sim – confirmou Claudia. O sorriso voltando aos seus lábios carnudos.

Jonas sentou-me levemente em sua beira, mas continuava me apoiando pelas costas.

- Minha mãe vai me matar quando notar a cor do meu short – gargalhei.

Eles também riram.

- Só estou obedecendo a ordens – Jonas parecia estar mais a vontade comigo.

Minha mão direita apoiava meu corpo em declínio, enquanto a esquerda brincava a vontade naquela água gelada e cristalina – como eu pensava que era.

Claudia estava em pé. Olhava-me com as mãos tapando a boca. Ainda estava preocupada comigo, porém feliz por me ver alegre.

- Ana, você não estava com sede? – perguntou Jonas.

- Estou sim. Já tinha me esquecido – respondi com um largo e envergonhado sorriso.

Ele se levantou e pediu para que Claudia me apoiasse. Correu para o lado e com uma espécie de faca gigante, que estava escondida no mato, cortou uma taquara. Foi modelando-a e quando eu vi, não acreditei:

- Um copo? – perguntei espantada.

- Sim. Agora pode tomar sua água – ele riu do meu olhar fascinado.

Jonas havia feito um copo de taquara. Nossa, para mim, aquele copo era a invenção mais criativa do mundo.

- É só um copo de taquara, Ana – disse Claudia surpresa por me ver surpresa.

Bebi então daquela água. Não tinha gosto de cloro, muito menos de ferrugem, tinha o gosto do líquido mais gostoso do mundo: Água. Eu havia bebido água da fonte.

- Por que a senhorita está tão animada? – perguntou minha mãe, assim que voltamos para as cabanas.

- Bebi água da fonte – falei num grito agudo e ardido.

Nem uma água filtrada tinha tanta pureza quanto àquela água da bica. Claudia e Jonas, que estavam ao meu lado começaram a rir baixinho. Eu devia estar exagerando aos olhos deles.

- Nossa. Onde você comprou? Eu não conheço essa marca – minha mãe falava sério. Por um minuto achei que ela estava brincando. Ela estava sentada numa cadeira debaixo de uma sombra de árvore.

- Mãe? – indignei-me. – Eu bebi água diretamente de uma fonte, de uma mina d’água. Entendeu? – eu estava balançando seus ombros, enquanto olhava firmemente dentro de seus olhos. – Água da fonte – insisti.

- Você foi a uma bica de água? – assustou-se ela, voltando os olhos para mim, vendo que os meus pés estavam cheios de lama.

- Fuu... i – gaguejei.

- E com quem, posso saber? – ela estava brava, muito brava.

Vagarosamente, ela passou os olhos por Claudia – minha responsável enfermeira, pronta para julgá-la mal.

- Eu estava com sede, aí pedi para o irmão da Claudia...

- Irmão da Claudia? – ela estava bufando de raiva.

Jonas se encolheu com o som da voz dela.

- Não fique brava, mãe. Foi divertido.

- Eu conheço várias minas de água, Ana. Sei que é impossível entrar com cadeira de rodas, e...

- Jonas me levou no colo – interferi fazendo cara de dor, pois sabia que depois dessa frase eu iria passar a tarde inteira ouvindo sermões.

Ela parou por um segundo, estava imóvel, sem expressão alguma.

- No colo? – perguntou tomando fôlego. – Você sabe o perigo que vocês dois correram?

Ficamos em silêncio. Eu estava frustrada.

- Desculpe-me, só queria um pouco de diversão – respondi.

Embora ela estivesse zangada, de certa forma, entendeu meus motivos. De repente, a expressão dela mudou: encarava-me com curiosidade, especulando.

- Você se divertiu? – sua voz rouca me deixou confusa.

- Sim – sem saber o porquê, eu estava um pouco perturbada com a pergunta. Eu precisava sair dali imediatamente.

- Mãe? – perguntei impetuosa. – Vou para a piscina – ela arfou rapidamente, enquanto seus grandes olhos me encaravam aflitos.

- Acho melhor ficar, Ana. E se você cair na água? Sabemos que não sabe nadar...

- Prometo ficar longe da beira – supliquei.

- Está bem – ela ficou silenciosa. Aproveitei o silêncio para me esquivar.

Claudia e Jonas ficaram lá – conversando com a minha mãe, que já não estava mais tão furiosa.

Empurrei a cadeira de rodas com força, queria chegar rápido na piscina, parecia que a qualquer momento alguém viria me barrar.

- Mana – gritou Jack quando me viu.

- É funda? – eu disse, apontando o dedo para a piscina reluzente com a luz do sol.

- Não, mana. Mas como eu tenho uma pequena desvantagem, uso essa bóia – olhei-o e vi que ele se referia a seu meio metro de altura.

Rimos.

- Vai entrar na água? – perguntou-me ele.

De repente, ele olhou-me compungido, seus olhinhos estremeceram.

- Me desculpe – Jacson sabia que era difícil para eu entrar na água. Na verdade, que era impossível já que eu além de ser paraplégica, não sabia nadar.

- Não fique assim – eu disse quando seus olhos ficaram repletos de lágrimas. – Um dia eu vou conseguir fazer tudo isso sozinha – sorri tristemente.

Ele limpou suas lágrimas com estupidez, e aproximou-se de mim.

- Eu vou te proteger enquanto estiver nessa cadeira – Jacson soluçou, abraçando-me.

Senti o calor fraterno de seu corpinho molhado – ele era um bom irmão.

- Obrigada – o abracei mais forte. – Agora, vai brincar – distanciei-me devagar.

- E você, o que vai fazer? – Jacson até parecia um adulto falando.

- Eu vou ficar aqui, tomando um sol, enquanto vejo vocês brincarem – respondi sorrindo, incentivando ele a ir.

- Qualquer coisa, me chama – era linda sua expressão de irmão protetor.

- Tudo bem, papai – sorrimos juntos.

Minha perspectiva era voltar a andar, porém já estava me cansando, dois anos e eu ainda estava paraplégica.

Jacson correu para piscina, seu pescoço ficara todo vermelho do sol, ele não era muito fã de protetor solar. Vendo-o brincar, senti uma saudade imensa do tempo em que eu podia fazer tudo o que eu queria.

O sol estava forte, mas já se encontrava mais fraco do que quando amanhecera o dia, pois a noite estava chegando.

Fui para o quarto, ou melhor, fui para um sobrado nos fundos da casa do pai de Claudia. O restante da família decidiu passar a noite acampando, eu, porém usei de minha paraplegia para escapar daquela catástrofe familiar, onde todos se enfurnam em pequenas barracas e passam a noite contanto histórias baratas. Claudia me ajudou com o banho, pedi a ela para que me deitasse na cama assim que saí do banheiro, eu estava notavelmente cansada.

- Não quer jantar? – perguntou ela, preocupada.

- Nossa. Eu me esqueci de jantar, mas não tem problema, não estou com fome – puxei o cobertor para perto do meu rosto. – Boa noite, Claudia – fechei os olhos enquanto falava.

- Boa noi... Ah... Eu posso te fazer uma perguntinha? – ela sentou-se na cadeira a frente da cama.

- Pode. Rápido, meu sono está chegando – bocejei.

- Jonas disse que nosso irmão Róger, ficou muito curioso em te conhecer.

- Isso não é uma pergunta, Claudia – escondi-me inteira debaixo do cobertor. Vergonha? – Com certeza.

- É que ele quer marcar um encontro com você – ela puxou a coberta, a fim de ver minha reação.

- Por acaso ele sabe que eu sou paraplégica? E, aliás, quem falou de mim para ele?

Ela explodiu uma risada quando me viu tão nervosa.

- Ele sabe da sua paraplegia, e foi o Jonas que tagarelou sobre você. Claudia tapou a boca com um travesseiro, mas mesmo assim eu conseguia ouvir o som da sua gargalhada. Ela estava vermelha de tanto rir.

- Qual é a graça? – perguntei forçando o rosto a ficar intacto, porém falhei em minha missão, ri junto com ela.

- Estou rindo de você – ela jogou seu travesseiro em mim. – Sua boba – disse ela, enquanto me sufocava.

- Ele deve ser muito feio – pensei alto demais, pois ela conseguiu me ouvir.

- Feio? Por quê? – perguntou Claudia, inexpressiva.

- Sei lá, eu sou paraplégica, então tem uma grande probabilidade dele ser feio, muito feio. Não tem nada a ver com você, Claudia – tentei consertar o estrago.

- Não, ele não é feio – ela estava perplexa. – E o que tem a ver você ser paraplégica? – continuou ela, mantendo o rosto indignado.

- Quem é que vai querer um encontro com uma paraplégica? Se ele for um cara bonito, com certeza deve ter um monte de garotas “andando” por aí...

- Essa é a pior idiotice que eu já ouvi em toda a minha vida – ela ficou furiosa. – Primeiro, ele não é feio, segundo, meu irmão quer sair com você e sua paraplegia não o incomoda.

Eu fiquei sentada à cama, cética.

- Preciso conhecê-lo – eu queria ter certeza de que estava certa. Nenhum cara iria querer sair com uma paraplégica, a não ser que ele fosse feio.

Comecei a imaginar um rapaz velho, com barba mal feita, dentes faltando e com um pedaço de palha entre eles – iguais aos rapazes da minha escola quando se vestem para festas juninas.

- Ele quer te ver amanhã, no Cercado – disse ela, voltando a sorrir.

- Que romântico – eu disse num tom sarcástico. – Diga a ele que eu irei. Mas, por favor, Claudia, não fale nada para meus pais – eu estava com medo do que poderia acontecer.

- Tudo bem – ela falava num tom agudo misturado com risos.

Claudia saiu do quarto, com certeza foi avisar o tal Róger sobre o encontro. Estremeci quando percebi que eu havia marcado um encontro.

Tentei pensar numa maneira de escapar. Não seria fácil. Eu não conseguia dormir. As horas se passaram rapidamente, e para minha preocupação, eu ainda não havia encontrado uma forma de escapar.

De tanto pensar acabei cochilando e, contudo dormi. Tive apenas quatro horas de sono.

- Acorda... Ana, acorde – ouvi Claudia chamar.

- Me deixa. Eu estou com muito sono – minha voz falhou na última palavra.

- O encontro – sussurrou ela. – Você precisa se arrumar.

- Por que você está cochichando? – perguntei com os olhos pequenos e inchados.

- Nossa. Você está horrível – disse ela quando viu meu rosto. – Estou cochichando porque não quero que ninguém acorde.

- Tudo bem, Claudia. Vou tomar um banho primeiro – ela atirou seus braços para frente, colocando-me rapidamente na cadeira de rodas.

- Rápido, rápido, rápido – ela estava ofegante.

- Claudia? Estou pensando em não ir a esse encontro, você está me assustando com toda essa empolgação – bocejei.

- Desculpe-me, não temos muito tempo – ela ignorou minha vontade de desistir.

Por: Fernanda S. Silveira - a autora

Nenhum comentário:

Postar um comentário