O QUE FAZEM OS SOLITÁRIOS????

O QUE FAZEM OS SOLITÁRIOS????
a solidão perturba, machuca, mas como toda a indicação de um bom médico... Nada em excesso faz mal - ou melhor, quase nada! rsrs... A solidão, às vezes faz bem! Porém Ana, deixou sua vida, por 2 anos se tornar um mar solitário... LEMBRANÇAS DE UMA ADOLESCENTE!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Sobre Lembranças de uma adolescente 1º CAPÍTULO DIPONIBILIZADO

Prefácio

“Meu pesadelo era real, minha irmã estava morta, eu nunca mais a veria, ela não pertencia mais ao mundo triste e cruel dos humanos, ela deixou de existir...”

Eu sofri a sua ausência. Quis por muito tempo continuar sofrendo... Morrer por você. Lutar pela sua justiça, mas meu coração se recusou... Ele aceitou a sua partida e agora luta dentro de mim – ele quer viver! Eu tentei continuar com o meu plano de culpa, mas percebo que estou sendo derrotada.

Você se foi, e por dois anos a história da minha vida se transformou em um mar de lamentações. Por dois anos eu me esqueci de como é o mundo lá fora... Espero que não se importe, mas viver é agora o meu objetivo.

1. Lembranças.

Sob o sol fumegante, eu dormia. Seus raios entravam parcialmente pela minha janela, embora fosse o suficiente para queimar minha pele.

A cortina que o impedia de consumir-me em brasas, balançava vagarosamente, permitindo esses raios solares de entrarem.

Acordei com o rosto em chamas, esfreguei os olhos estupidamente, que ainda estavam sonolentos.

Ao lado da cama, ficava uma velha penteadeira que eu ganhara de minha avó. Por alguns minutos fiquei encarando minha imagem refletida em seu espelho.

- Queria ser como as outras garotas – desabafei, com a voz reprimindo o choro.

Lembrei-me, era meu aniversário. Eu não queria comemorar, não queria que ninguém me desse os parabéns. Eu estava completando dezessete anos.

Lembro-me perfeitamente do pior dia da minha vida. Há exatamente dois anos atrás minha irmã gêmea falecera por minha causa – todos acusavam o destino pela tragédia daquele dia, mas eu me acusava, sentia que a culpa era toda minha:

Era o nosso aniversário de quinze anos, mamãe havia preparado a maior festa da cidade.

Estávamos todos felizes, embora Clarice minha irmã, acordara com uma pequena crise asmática. O problema era de nascença.

Fomos caminhar logo pela manhã daquele dia. Enquanto andávamos, percebi que Clarice não estava nada bem.

- Não consigo... respirar – disse ela, ofegante.

- Vamos voltar para casa – falei apoiando-a em meus braços.

- Não! Eu quero ver o rio antes da festa – ela estava muito pálida, o rosto abatido e cansado.

Andávamos por uma trilha que meu pai havia feito há alguns anos, certamente quando veio pela primeira vez a Laranjais. As árvores balançavam por causa do vento, podíamos ouvir o barulho de alguns galhos se quebrando. O sol como uma bola de fogo, ardia em nossos olhos.

Nossos pais se conheceram na beira do rio Amarauzinho. Lá, eles casaram-se e fizeram uma grande festa.

Clarice e eu combinamos aos dez anos de idade, que em todos os nossos aniversários, passaríamos pelo menos meia hora na beira do Amarauzinho. Uma homenagem aos nossos pais.

- Clarice, nós podemos voltar aqui mais tarde – eu ainda a apoiava nos braços.

- Por favor, Ana – suplicou Clary.

- É arriscado – eu disse preocupada. – Você não está nada bem.

Mesmo sabendo dos riscos, eu não fui responsável o bastante. Percebi que ela estava mal, porém continuei nosso percurso.

Chegamos finalmente em sua beira, o rio estava calmo, mas ventava muito.

Aquele som agudo e sibilante passava por entre os ramos das árvores, aumentando cada vez mais.

Clarice estava melhor, sentou-se no chão e mergulhava a ponta de seus dedos levemente na água.

- Mamãe ama este lugar – disse ela, alegre.

Seu olhar pareceu ficar distante por alguns minutos, certamente estava lembrando-se das histórias românticas que os nossos pais contavam sobre esse rio. Sentei-me ao seu lado e comecei a imitá-la em seu gesto. Ela me encarou por alguns segundos, piscando rapidamente, libertando-se dos bons pensamentos que aquele lugar proporcionava.

- É uma delicadeza de sua parte vir aqui mesmo passando mal – falei num tom de admiração.

Clarice e eu apesar de sermos gêmeas, tínhamos características “internas” totalmente diferentes. Ela era conhecida por seu jeito meigo e dócil de ser. Eu, porém era a “aventureira” das gêmeas.

- Temos que dar valor a esse rio. Devemos nossas vidas a ele – disse ela gentilmente, enquanto inclinava a cabeça, sentindo o vento bater em seu belo rosto e deixando seu cabelo livre para acompanhá-lo.

Nossos olhos fixaram-se completamente na água. Parecíamos à cópia perfeita uma da outra: Pele morena clara, cabelo castanho, longo, e olhos azuis como o céu. Até nossos olhos eram iguais. Clarice se diferenciava por apenas um detalhe: Uma discreta mecha vermelha no meio do cabelo. Ah, não posso me esquecer da voz, já que as nossas vozes eram completamente diferentes. A voz de Clary soava um pouco mais grossa e alta do que a minha.

Num minuto de distração, pude ver através de algumas árvores, uma grande montanha.

- Clarice. Olha só! – mostrei a ela aquela bela paisagem. – É lindo – exclamei.

Ela concordou comigo.

- Vou tirar uma foto – eu disse, animada.

- Capriche, eu nunca vi montanhas em Laranjais – incentivou-me ela, sorrindo.

Afastei-me por alguns minutos. Peguei o celular que estava no bolso de trás da minha calça apertada, procurei o melhor ângulo e tirei a foto, quando virei-me para voltar, vi seu corpo caído sobre a margem.

Meu coração acelerou. Corri até ela; consegui tirá-la da água ainda com vida. Foi tudo muito rápido.

- Clarice! – gritei, enquanto a deitava no chão. – Fale comigo, por favor, fale alguma coisa.

Vi ela agarrar com as mãos um monte de areia, apertava-as contra os dedos com muita força. Seu rosto estava pálido, dava para ver as veias pulsando em seu pescoço.

- Dói muito, Ana – disse ela, tossindo sem parar. – Meu peito dói.

Eu não sabia o que fazer. Estávamos muito longe de casa.

- Não me deixe – gritei, quando a vi fechar os olhos.

Lembrei-me destas ocasiões na tevê: “primeiros socorros.” Fixei então minhas mãos sobre seu peito, comprimia e depois soltava.

Minhas mãos acompanhavam o ritmo do coração acelerado, trêmulas. Na verdade, meu corpo todo estava num ritmo confuso, preparando-se para o pior, assustado.

- Preciso da sua bombinha. Onde ela está? – perguntei desesperada.

- Na água – respondeu Clary, apontando a direção e com a voz fraca, que eu mal pude escutar.

Eu olhava cuidadosamente a água do rio, tentando encontrar a bombinha. Nesse momento, tive a infeliz ideia de subir no alto da cachoeira, numa pedreira de aproximadamente três metros de altura para poder enxergar melhor. Escalei com pressa aquelas pedras lisas, não levou nem um minuto, a vida da minha irmã estava em risco e eu não podia falhar. Na pedra mais alta – meu destino – tinha um limo grosso e esverdeado, era escorregadio, porém minha pressa em chegar até lá era tão grande que decidi correr o risco. Escorreguei-me e caí. Não me lembro de mais nada desde então – não me lembro de ter encontrado a bombinha, nem de ter salvado Clarice.

Quando acordei, senti um cheiro horrível de álcool. Virei-me devagar. As paredes brancas, os aparelhos barulhentos e esquisitos, a agulha com esparadrapos em meu braço, minha testa enfaixada e com dor... Eu só podia estar num hospital.

- Ana? Acordou filha? – perguntou minha mãe, com uma voz aparentemente cansada.

Seu cabelo preto e curto estava todo despenteado e seus olhos com uma profunda olheira.

- O que aconteceu? – eu me sentia tonta, mal podia vê-la.

- Você caiu da pedreira do rio Amarauzinho – respondeu ela, se levantando de uma cadeira preta com almofada, aproximando-se.

Ela olhava para mim e eu podia ver tristeza, dor e muita angústia nos olhos dela, porém ela não conseguia olhar diretamente em meus olhos. Seu cabelo bagunçado e liso caíra sobre seu rosto e ela nada fez para tirá-lo. Certamente usou-os para esconder-se de mim.

Rapidamente, toda aquela agonia que eu passei com Clarice perturbava minha cabeça já consciente.

- Onde está a Clary, mãe? – perguntei com os olhos enchendo-se de lágrimas.

A mínima ruga entre seus olhos se intensificou. Ela não esperava que eu fizesse aquela pergunta tão depressa, eu mal havia acabado de acordar.

- Seu pai as encontrou naquele dia à tarde – disse ela, com uma das mãos sobre a testa, visivelmente nervosa. – Você estava desacordada e Clary...

Eu até aquele instante tentava ignorar as cenas trágicas que vinham a minha mente, pensava comigo mesma que tudo aquilo não passava de um pesadelo, que Clarice estava bem, mas meu pesadelo ia se tornando realidade a cada segundo que minha mãe levava para responder.

- Fala mãe – bati minha mão que estava livre das agulhas por várias vezes na cama dura.

- Ela não suportou – sussurrou ela, num desabafo em prantos.

Meu pesadelo era real, minha irmã estava morta, eu nunca mais a veria, ela não pertencia mais ao mundo triste e cruel dos humanos, ela deixou de existir...

Eu odiei aquele minuto, o segundo em que eu soube da morte da minha irmã. Mas a dor parecia ter vindo para ficar na minha vida, querendo se instalar em meu coração – uma hóspede cruel e sombria. Os médicos assim que souberam que eu havia acordado vieram dar-me a segunda pior notícia: Eu estava paraplégica, talvez por muito tempo, talvez eu nunca mais voltasse a andar.

Odeio fazer aniversário. Todos em casa lembramo-nos deste dia. Revivemos o luto de Clarice, é inevitável.

- Oi minha querida? – escutei minha mãe chamar, enquanto eu me livrava desses acontecimentos passados. – Acordou cedo – disse ela, abrindo totalmente a cortina do quarto.

- Hoje completam dois anos – falei numa voz firme e amargurada.

Ela suspirou lentamente e se virou para mim com o rosto disfarçado – eu sabia que ela também estava sofrendo, tanto quanto eu.

- Não estrague seu dia por isso. Sentimos saudades de Clarice, mas precisamos deixar essa tragédia no passado – disse ela, tentando consolar-me.

- Como? É impossível – retruquei cabisbaixa.

Minha mãe buscou minha cadeira de rodas que estava no canto do quarto, sentou-me delicadamente na cama.

- Quer tomar seu café agora?

Ela era boa em mudar de assunto, então eu dei uma forçinha a ela:

- O que tem para comer?

- Suas torradas preferidas – disse ela, enquanto me fazia cócegas. Ela riu, mas não havia diversão no som, era tudo uma máscara para que ninguém percebesse o quanto doía àquela data para ela, para todos. – Vamos. Deixe-me ajudá-la – ela já estava acostumada com a cadeira de rodas. Com apenas uma mão conseguiu me colocar sem nenhuma dificuldade nela.

- Obrigada mãe – eu disse devagar, enquanto voltava a ficar triste.

Eu não era tão boa em disfarces.

- O que foi isso? – perguntou ela, fazendo-se de indignada. – Por que esse rostinho lindo está ficando triste novamente? – brincou ela, enquanto rodava minha cadeira para lá e para cá.

- Puxa mãe – soltei um suspiro involuntário. – Será que eu vou ficar paraplégica para sempre? – entristeci-me.

Seu rosto ficou tenso. O lindo sorriso que o dominava foi desaparecendo lentamente.

- Ana... O que todos temos é “esperança” de que isso não aconteça – disse ela, sorrindo forçadamente.

Ela e eu sabíamos que meu caso era grave. O médico me dera menos de vinte por cento de esperança – mas ela se agarrava todos os dias nessa pequena fração só para me ajudar a sair daquele estado depressivo.

- Vou sobreviver a isso – eu disse, tentando me animar novamente. – Desculpe-me mãe, por ficar te colocando nessas situações...

Eu não podia reclamar da minha limitação, pelo menos eu estava viva! Ah, se eu pudesse trocar de lugar com Clarice... Talvez essa dor fosse embora do meu peito – pensei enquanto esperava a resposta dela.

- Ana? Sou sua mãe. Sempre que quiser, conversaremos. Não podemos evitar falar de sua paraplegia, agora ela faz parte de nossas vidas.

Essa frase cortou o meu coração: “Agora ela faz parte de nossas vidas.” Acredito que o que me mantém viva é saber que por minha culpa, Clarice morreu. Contudo, me obrigo a aceitar esse meu novo modo de “viver.” Levo isso como se fosse um castigo por ter sido tão irresponsável com minha irmã.

- Agora chega de conversinha. Vamos tomar café? – perguntou-me ela, voltando a ficar animada. Sorrindo com o seu pior sorriso forçado.

- Sim dona Francine. Vamos tomar nosso cafezinho – respondi empurrando a cadeira na direção da porta.

O silêncio entre nós era grande, um imenso abismo nos separava. Eu sabia que era mais difícil para ela suportar e disfarçar a dor, pois eu era o retrato vivo da minha irmã falecida, a mesma feição, o mesmo olhar, o mesmo corpo, o mesmo sorriso... Eu era o elo para dor, eu trazia a dor para os olhos dela, para os olhos de todos que conheciam Clarice. Desde que minha irmã morreu, eu nunca mais vi um sorriso verdadeiro de alguém da minha família. Cada célula minha representava a minha irmã injustamente falecida. Eu me sentia como uma ladrona que rouba o doce de alguém. Só que eu havia roubado a vida de minha irmã. Não era justo eu viver, nós éramos gêmeas, éramos duas em uma – nos completávamos.

- Cadê o Jacson? – perguntei, referindo-me ao meu irmão caçula, enquanto sentávamo-nos à mesa da cozinha.

- O Jack saiu com o seu pai. Acho que foram comprar presentes – respondeu minha mãe, automaticamente, porque a julgar pelo seu rosto aquilo devia ser um segredo.

Minhas mãos fecharam-se. As bati na mesa com força, desaprovando a ausência do Jack. Uma das xícaras desequilibrou-se, balançava no pires como se fosse uma bailarina em um concerto de dança.

- Por que insistem? Acham mesmo que vão amenizar alguma coisa, fazendo de conta que nada aconteceu? – perguntei aos berros.

- Tenha calma, Ana – respondeu minha mãe, abaixando a cabeça.

No fundo ela sabia que eu tinha razão, não adiantava fingir que nada aconteceu.

- Não. Eu não posso ficar calma! Vai me dizer que eles também pretendem fazer uma festa para comemorar? – continuei berrando.

- Ouvi seu pai falar que iria comprar um bolo... Um bolo simples, mas iria – respondeu ela, gaguejado.

- Eu não acredito mãe. Vocês sabem o que essa data significa para mim, não sabem? – respirei fundo. – Significa que faz dois anos que eu matei a minha irmã! – gritei.

- Está exagerando, Ana. Você não matou sua irmã. Ela se afogou no rio. Ninguém teve culpa – ela estava com o rosto gélido. Chocada com meus argumentos.

Eu nunca havia dito aquilo para ela, para ninguém – eu sofria quieta, era o melhor.

- Eu tive mãe. Eu sou a culpada. Não devia tê-la levado ao Amarauzinho.

Ficamos em silêncio. Eu estava suando de raiva, de culpa e, sobretudo de tristeza. Eu estava tão arrependida de ter saído com Clarice naquele dia, de não ter ouvido o conselho do médico dela! E por mais que a minha mãe negasse, ela também me culpava, eu via isso nos olhos tristes dela.

- Eu desisto – eu disse desanimada, enquanto limpava rapidamente as lágrimas do rosto. – Eu desisto de tentar. Eu não suporto mais viver com essa culpa... Eu preciso morrer – desabei-me num melancólico choro inconsolável.

- Filha? Não fale isso novamente, você está me ouvindo? – ela estava três vezes mais fria, encostou suas mãos em meus braços trêmulos, senti como se estivesse encostado uma pedra de gelo.

Eu soluçava de tanto chorar, enquanto ela tentava me acalmar com um copo de água com açúcar.

- É. Seu pai e eu exageramos na ideia. Não pensei que reagiria assim – disse ela, entregando-me um lenço que buscara rapidamente do quarto.

Dois anos. Muito tempo para quem desiste de viver. Pessoas felizes sempre dizem: “Nossa! Este ano está passando rápido, não é?

Porém, eu sempre digo que cada dia que passa para mim, é como se fosse um ano inteiro. Eu perdi minha irmã e estava designada a ficar o resto da vida naquela droga de cadeira. Tinha que ouvir as pessoas me chamarem de “cadeirante” e aguentar quieta. Eu odiava pertencer a esse “mundinho das limitações”.

- Mãe. Quando é que poderei correr, pular, me divertir novamente? – perguntei já respondendo: – Nunca mais! – eu disse com a voz falhando.

Eu não podia sorrir sabendo que a minha irmã perdera esse direito, eu não podia pensar em correr e pular, em sentir minhas pernas novamente – elas estavam mortas, minha irmã e minhas pernas. Era um pacote completo de dor.

- Filha... Existem outros meios de ser feliz – ela procurava com os olhos distantes, tentando encontrar alguma coisa que me fizesse acreditar nela.

- O que, por exemplo? Fazer tricô? – perguntei num tom sarcástico.

Por alguns minutos, ficamos nos encarando. Eu estava completamente irritada com minha situação. Eu não queria mais ser o alvo, o alvo para o constante sofrimento. O alvo que estava levando minha família à ruína.

- Ao invés de ficar se lamentando, você deveria procurar alguma coisa que te completasse, como estudar, tocar um instrumento ou até mesmo cantar, coisa que você faz muito bem – enquanto ela falava seus dedos da mão direita, acompanhavam-na em suas opções. Atirava-os na minha cara, com raiva e com inquietude. Eu senti no desespero de seu rosto que ela queria me ajudar, mas o que todos precisavam entender era que não dava para eu ser feliz, encontrar alguma coisa que ocupasse o meu tempo, porque eu não me sentia no direito de ter esse tempo, de viver esse tempo. Não havia solução racional para um coração em pedaços, minha outra metade não vivia mais... E por que eu vivia?

- Falar é muito fácil – eu disse, virando minha cadeira contra ela.

- Aonde pensa que vai? – perguntou-me ela, autoritária.

- Para o meu quarto – falei enquanto saía. Sentindo a culpa pesar sobre as minhas costas.

- Se para mim é fácil falar, para você é fácil fazer-se de vítima – desabafou ela, cuspindo aquelas palavras que deveriam estar entaladas em sua garganta há tempos.

Olhei-a com indiferença. Senti arrependimento em sua frase e em sua voz, porém eu o ignorei. Aquela frase era outra prova de que ela também me culpava pela morte de Clary, aos olhos dela eu estava me fazendo de vítima, sendo que a vítima na verdade deveria ser Clarice enterrada em um dos caixões da cidade.

- Fazer-me de vítima? – Murmurei, sentindo a irritação transpassar pela minha voz.

Virei minha cadeira rapidamente para sua direção.

- Não desejo isso a ninguém. “Fazer-me de vítima não é fácil, sabia?” Eu daria tudo para trocar de situação com a Clary, para ficar enterrada no lugar dela – deixei-a na cozinha, e fui para o quarto.

Ouvi logo em seguida um carro chegar. Devia ser meu pai e o Jacson, meu irmão.

Ele tinha apenas cinco anos, olhos azuis como os meus, herdamos de nosso avô paterno, cabelo preto, baixinho e gordinho. Quando Clarice morreu, ele era apenas um bebê. Doía muito quando ele me dizia brincando: “Você Ana, é uma chata. Imaginou duas de você.” Ele referia-se a Clarice. Todas às vezes que ele dizia isso, meu pai o batia – ele ficava descontrolado. Se não fosse a minha mãe intervir, acho que Jacson estaria todo marcado de cicatrizes a essa altura.

- Mana? – perguntou-me ele, batendo na porta.

- Não quero abrir Jack. Hoje eu não vou sair do quarto – respondi em voz alta.

- Mas... Ana? – perguntou-me ele, indignado. – Nós compramos presentes – insistiu.

- Eu já disse que não quero presentes – falei num tom que o fiz correr dali, gritando.

Logo em seguida, meu pai bateu na porta. Eu já esperava por isso.

- Ana. Abra ou eu abrirei com a cópia.

Eu não tinha alternativa, tive que abrir. Ser cadeirante tinha as suas desvantagens – muitas. E uma delas era a falta de privacidade.

- O que quer? – perguntei virando a cadeira para não vê-lo.

- Sua mãe me contou tudo. Que história é essa de querer morrer, menina? – ele falava enfurecido.

- Se você estivesse no meu lugar diria o mesmo – murmurei.

Ele passou a mão pela testa enquanto mordia a boca, seu rosto estava em pânico. Nem parecia aquele pai calmo e tranquilo que eu tinha – ele estava apavorado com o meu modo de pensar em relação à morte de Clary. Ele era o único que não me condenava com os olhos pela morte dela, conseguia disfarçar melhor.

- Amanhã resolveremos isso – falou ele, encarando-me com seriedade.

- Resolver o quê? Vai me matar? – eu disse fazendo piada da situação.

- Não. Eu não vou te matar. Vamos lutar juntos contra esse seu desânimo, essa situação tem que mudar – disse ele, sentando-se na beirada da minha cama.

Meu quarto era todo rosa – obra de Clarice. Ela adorava colocar adesivos coloridos por toda parte. Era a primeira vez que meu pai entrava no quarto desde que Clary falecera.

- Os adesivos dela ainda estão aqui? – perguntou ele, emocionado.

Eu amava tanto o meu pai, ele era o único que me deixava chorar em paz, me deixava sofrer sem me recriminar, e havia momentos – momentos como este no qual ele sofria comigo. Ele se emocionava comigo.

- Estão. Eu não deixei a mamãe tirá-los. Assim, parece que nada aconteceu – respondi, enquanto olhávamos para eles, viajando nas belas lembranças do passado.

- Ana? Precisamos reagir filha. Não é só você. Eu, sua mãe e seu irmão também. Temos que parar de viver em constante luto. Clary não está mais aqui, é difícil aceitar, mas precisamos continuar vivendo – ele puxara minha cadeira para perto, falava olhando diretamente nos meus olhos. Tentei desviar meu olhar, pois a sensação era forte demais, porém ele não permitiu.

- O que está pensando em fazer? – perguntei sem vontade de perguntar.

- Tenho algumas idéias, mas existe uma que vou colocar em prática amanhã mesmo – meu pai falava decidido.

Seus olhos estavam azuis luminosos, brilhavam. Seu cabelo ondulado também possuía um brilho diferente, todo seu corpo de pai protetor encontrava-se em perfeita harmonia.

- Que ideia? – de repente fiquei curiosa, embora eu não apresentasse essa expressão em meu rosto.

- Vamos acampar – respondeu ele, animando-se.

- Acampar? Mas, nunca fizemos isso antes, pai – olhei para ele, intrigada.

- Vamos acampar na “Toca do Leão”. A maior e mais divertida chácara da cidade.

Ele falava como se tivesse gravando um comercial da tevê – era divertido.

- Mas, e o seu trabalho? – perguntei, porque sabia que ele trabalhava demais.

- Tenho férias pendentes – sua expressão estava cheia de expectativa.

Acima do meu sofrimento, da minha culpa, eu precisava salvar a minha família – era minha obrigação salvá-la! Eu precisava ouvir as opções que meu pai tinha em mente, e ajudá-lo nisso.

- O que a mamãe diz sobre essa ideia? – perguntei.

- Ela vai sobreviver – disse ele, enquanto revirava os olhos de um jeito engraçado.

Rimos. Mamãe adorava a natureza, mas preferia fotografias a contato físico com ela.

- Jacson? O que ele acha? – perguntei finalmente animada, já que aquela parecia ser a ideia perfeita para fazê-los sorrir um pouquinho.

- Ele adorou a ideia. Disse que vai comprar uma bóia, já que ele não sabe nadar – respondeu ele, rindo.

Essa última frase fez me lembrar de Clarice. Eu olhei para meu pai, e imediatamente ele entendeu o que se passava em minha cabeça. Meu estado de humor mudava constantemente, e eu sabia que aquilo era um dos sintomas da minha depressão. Eu não me importava, eu até incentivava meu pai a me internar num manicômio, assim não traria mais problemas para a vida deles.

- Eu não quero ir, pai. E se o Jack se afogar também? – comecei a chorar.

- Ana? Você não percebe? Você está alimentando sua depressão. Jacson não vai se afogar – falou ele, limpando minhas lágrimas com suas mãos grandes e calejadas.

Um sorriso pequeno apareceu em seus lábios, ele estava mesmo decidido a me ajudar, a ajudar toda a família – encarando o problema de frente, já que até agora eles fugiam dos problemas.

- Nós vamos e ponto final – disse ele, enquanto empurrava minha cadeira para a sala.

- Pai? – o fiz parar no meio do corredor.

Ele parou a cadeira de rodas com cuidado, e dirigiu-se a minha frente.

- Sim querida? – perguntou-me ele, carinhosamente.

- Por favor, diga que não comprou um bolo? – meus olhos suplicavam para que ele dissesse que não. As lágrimas ainda corriam aceleradas pelo meu rosto.

- Sua mãe me ligou quando a atendente da panificadora estava acabando de embrulhá-lo – respondeu ele, decepcionado, porém sorrindo.

Suspirei de alívio. Ele não havia comprado.

- Obrigada, pai – eu disse, enquanto o abraçava completamente aliviada.

- Vou respeitar seu pedido, filha. Mas... – continuou ele, com falhas na voz.

- Mas, o quê? – perguntei arregalando os olhos e soltando-me do seu abraço apertado.

- Mas, compramos muitos presentes. Pronto, falei – ele estava nervoso. Aquela era a primeira vez em dois anos que ele infringiu minha lei de não comprar presentes.

Fiquei irritada, porém acabei rindo de seu nervosismo.

- Tudo bem. Já brigamos muito por isso... Não quero brigar mais – respondi enquanto nos abraçávamos novamente.

- Feliz aniversário, Ana – disse ele, tapando minha boca com a mão, para que eu não resmungasse.

- Você não tem jeito, senhor Marcos – eu disse na primeira oportunidade que tive.

Ele se voltou a minha cadeira de rodas, empurrando-a – o que eu detestava, já que eu podia fazer aquilo sozinha, empurrar minha cadeira, meu carma. Meu castigo.

- Você está melhor? – perguntou minha mãe, assim que chegamos à cozinha.

- Um pouco – respondi com firmeza na voz. – O que a “senhora” achou do tal acampamento? – destaquei a palavra senhora, queria deixá-la ciente de que eu ainda estava chateada.

- Parece-me uma boa ideia – respondeu ela, enquanto limpava a mesa.

Concordei.

- Meninas. Vamos à sorveteria? – convidou meu pai, tentando quebrar o “gelo” entre nós.

Nessa hora, Jacson entrou na sala correndo, estava todo sujo de lama, até parecia um leitão.

- O que significa isso, Jack? – minha mãe estava pasma ao vê-lo naquele estado.

- Estou me preparando para o acampamento, mãe – respondeu ele, enquanto passava as mãos sujas sobre seu rosto suado.

- Vai tomar um banho, seu porquinho – disse ela, empurrando-o para o quarto.

Ela voltou do quarto rindo. Seu rosto estava marcado de lama, com o sinal da mão do Jack, com certeza ele a abraçara no caminho do banheiro.

- Querida? – perguntou meu pai, enquanto apontava para seu rosto.

- Jack... – sussurrou ela, explicando a si mesma.

- E então? Vocês não me responderam.

- Espere o Jacson sair do banheiro – concordou ela.

- Acho melhor, todos tomarmos um banho – falei enquanto limpava uma gota de suor da testa.

- Realmente está calor – concordou meu pai.

Ficamos sem assunto, novamente eu senti o enorme abismo entre nós. Meus olhos estavam ardendo, acredito que era por eu ter ficado quase a tarde inteira chorando.

Minha mãe chamou a Claudia, minha enfermeira, para me ajudar com o banho.

Claudia era alta, cabelo curto, enrolado, pele branca, porém morena de tanto pegar sol – ela adorava praia ou tudo o que envolvia areia, sol e água ao mesmo tempo. Tinha os olhos pretos e misteriosos, pois sempre estava com as palavras certas na ponta da língua, era como se eles ficassem captando tudo o que acontecia para nunca, jamais, errar no que iria dizer.

- Vamos Ana? – perguntou-me ela, com aquela voz sonoramente dócil.

Claudia tinha um namorado, muito ciumento por sinal. Ele vinha todos os domingos visitá-la na parte da tarde. Eles estavam fazendo planos de se casarem.

- Claudia? Se você se casar, quem irá cuidar de mim? – perguntei num tom de carência.

- Eu irei. Quem disse que eu vou te abandonar, menina? – respondeu ela, enquanto enchia a banheira com água.

Ela me olhou pelo canto dos olhos, pode então perceber meu sorrisinho aliviado.

- Como vai o “Bruno, o grande”?

Esse era o apelido que eu dei a ele, seu namorado, desde o primeiro dia em que o vi. Seu tamanho e altura contribuíram para o apelido.

- Essa semana foi muito agitada, ele teve que trabalhar em dois turnos – respondeu ela, com pena.

- Coitado – eu disse, enquanto ela me colocava na banheira.

- Mas, ele não reclama. Ele até gosta – falou ela sorrindo.

- Claro. É um dinheirinho a mais para o casório, não é? – perguntei.

- É sim – respondeu ela, com um largo sorriso, porém com certa timidez.

Claudia era mais do que uma enfermeira, era uma irmã para mim. Ela estava distraída colocando os meus sais preferidos na água.

- Claudia? Você está aí? – perguntei olhando-a fixamente.

- Desculpe-me, falou comigo, Ana? – perguntou ela, enquanto despertava de seus pensamentos.

- Você anda “boba” ultimamente – eu disse, enquanto brincava com as espumas da banheira.

- Eu? Boba? – respondeu ela, sorrindo.

Começamos a jogar água com espuma uma na outra. Riamos tanto que eu já estava ficando roxa. A água morna ficara gelada de repente, meus dentes começaram a tremer, batendo um contra o outro.

- Chega. Olha a bagunça que fizemos! – ficamos pasmas com o estado do banheiro.

- Sua mãe vai nos matar – disse ela, assustada. – Me deixa limpar essa “baderna” – falou ela, soluçando de rir.

Depois do banho, senti uma leve sensação de alegria. Eu, pela primeira vez em dois anos, estava feliz em meu aniversário. Mas a gigante mochila de culpa pesava ainda mais nas minhas costas, fazendo a tristeza voltar ao meu rosto. Eu não posso sorrir – concluí a mim mesma. Sorrir era como se eu ganhasse um presente lindo no qual eu não me sentisse no direito de aceitá-lo, dele ser muito para mim! Sorrir era um presente inaceitável, era proibido na minha vida, há dois anos.

- Vamos? – perguntou meu pai, enquanto apanhava na mesinha de centro, a chave do carro.

Jacson estava todo cheiroso. Mamãe o fez colocar o sapato preferido dela, o sapato que ele ganhara do vovô, no natal do ano passado.

- Mãe! Esses sapatos apertam – resmungou ele, enquanto entrava no carro.

Ela o ignorou, pois sabia que era mentira. O número do sapato era dois números a frente do seu.

- Marcos, coloque a Ana no banco da frente, fica mais fácil para quando descermos – disse minha mãe, ajudando-o a me tirar da cadeira. – Garanto que o Mário da sorveteria vai ajudá-la a sair do carro rapidinho, ele adora a Ana...

Só eu sabia como meu estresse aumentava quando tínhamos que sair de carro. Eu detestava ver todo aquele trabalho para me colocarem dentro dele.

- Claudia, você não vem? – perguntei tentando não me concentrar naquela situação estressante.

- Não. Dona Francine pediu para eu ficar. Acho melhor, assim eu termino de limpar aquela nossa bagunçinha – respondeu ela, piscando um dos olhos, discretamente, fazendo eu me lembrar do banheiro sujo que abandonamos.

- Traremos sorvete para você, minha querida – prometeu minha mãe, delicadamente.

- Obrigada. Só tragam se não for incomodar – Claudia acenava para nosso carro que já estava saindo.

Aproximadamente cinco minutos depois, estávamos na sorveteria. Outro trabalho começou: O de me tirarem do carro.

- Espero que um dia essa tortura termine – murmurei.

- Vai terminar! – alegrou-se meu pai que até então escutava silenciosamente minhas reclamações.

Mário, o simpático dono da sorveteria, como sempre veio me ajudar com a cadeira de rodas. Ele tinha uma queda por mim, apesar dele ter dezenove anos – o que minha mãe assegurava ser bom para namorar – eu o ignorava completamente, não me dava ao luxo de pensar em nada parecido, nada que me trouxesse alegria permanente.

- Psiu, não reclame! – disse meu pai antes que eu abrisse a boca, rindo com o olhar sereno.

Ele era muito animado, acreditava confiantemente de que um dia eu voltaria a andar. Essa energia dele me fazia muito bem.

Tomamos um quilo de sorvete. Só o Jacson, comera dois copos fundos e lotados de sorvete, sozinho.

- Estou cheio – disse Jack, finalmente.

- Nossa. Pensei que você nunca fosse encher – brinquei.

- Engraçadinha – retrucou Jack, enquanto batia levemente sua mão sobre aquela enorme barriguinha.

Rimos ao ver esta cena. Mário me sondava pela janela de dentro da sorveteria, rindo pausadamente, me encarando sem vergonha. Mais uma vez eu fiz de conta que ele não existia. Eu não queria deixá-lo magoado, mas não via outra opção a não ser ignorá-lo.

Quando voltamos para casa, Claudia havia preparado uma espécie de café da tarde.

- Não acredito. Claudinha? – disse meu pai, espantado – Meus morangos preferidos – continuou ele.

Ela riu. Sabia que tínhamos comido sorvete o suficiente para não jantarmos e muito menos tomarmos um café da tarde.

- Fiz mal? – perguntou ela, enquanto pegava o seu pote de sorvete, prometido pela minha mãe.

- Não, querida. Eu farei outra “boquinha” – respondeu minha mãe, com uma cara apetitosa.

- Nossa. Mãe? Vai comer de novo? – perguntei pasma.

- Só um pouquinho – disse ela, gesticulando com o dedo.

Enquanto eles comiam, pedi a Claudia que me levasse para o quarto. Eu estava muito cansada.

- Ana? – perguntou-me ela.

- Fale Claudia – respondi, enquanto ela me deitava na cama.

- Se importa? – disse ela, esticando os braços a fim de me dar um abraço.

- Posso saber o motivo? – perguntei.

- Sei que você não gosta, mas...

- É por causa do meu aniversário? – interferi.

- É. Posso? – insistiu ela.

Eu podia ver nos olhos dela o quanto minha rejeição naquele dia a deixava triste, deixava todas as pessoas que eu amava triste. Eu não sei o que se passava na mente deles, mas eu tinha uma certeza: Eles queriam que eu fosse forte, que eu disfarçasse do mesmo modo que eles tentavam disfarçar, mentindo sobre os meus sentimentos, ignorando a dor da lembrança do pior dia que eu já tivera na vida.

- Pode – respondi sentando na cama, com sua ajuda.

Ela me abraçou surpresa. Acho que eu também estava. Nunca pensei que aceitaria que alguém me desse os parabéns espontaneamente. Confesso que um pouco disso tudo era por eu estar me sentindo mais culpada do que nunca.

- Feliz aniver...

- Corta essa, Claudia, por favor, não exagera – interferi rindo.

- Tudo bem, uma coisa de cada vez, não é? – perguntou ela.

- Sim. Uma coisa de cada vez – eu concordei.

O dia terminou ali, pelo menos para mim. Eu estava tão cansada que assim que fechei os olhos, caí num sono profundo.

Eu sonhava quase todas as noites com Clarice, e aquela não seria diferente. Eu via minha irmã na beira do rio Amarauzinho, ela lutava contra o tempo, respirando aceleradamente. Com o mesmo rosto pálido, e as mesmas veias saltadas, a mesma boca roxa e as mesmas mãos geladas e trêmulas. No meu sonho eu encontrava a sua bombinha boiando na parte rasa do rio, entregava para ela e em menos de um minuto, Clarice estava novamente em pé. Sorrindo para mim. Nesse instante eu abandonava o meu rosto gélido e preocupado, correspondendo o sorriso alegre da minha irmã.

Antes de eu acordar, ela me disse:

- Você fez o que pode! Você tentou Ana. Era para eu ter ficado viva se dependesse de você! Não se culpe... Não se culpe!

Clarice conforme ia me dizendo aquelas palavras doces, uma luz branca que cegava os meus olhos dominava a cena, impedindo de eu vê-la! Aquilo me deixava aflita, e novamente a dor da perda rasgava um pedaço do meu coração, infiltrando nele como parasita. O sonho transformou-se em pesadelo! O pesadelo real no qual eu vivia.

Acordei no dia seguinte com minha mãe abrindo a cortina, como de costume.

- Acorda dorminhoca – ela estava animada.

Senti meus olhos inchados, certamente eu chorei durante a noite, enquanto via Clarice indo embora de novo.

- Por que tanta animação? – perguntei escondendo meu rosto debaixo do travesseiro.

- Seu pai, lembra? – ela falava, enquanto puxava meu cobertor da cama.

Eu odiava vê-la fazendo isso e não poder lutar pelo meu cobertor, não poder enrolá-lo nos pés e fazê-la desistir de carregá-los para longe.

- Papai? O que tem ele? – perguntei, com a mente oca. Meu foco era o edredom sendo levado de mim.

- Estou animada por causa do acampamento repentino de seu pai – respondeu ela, com mais clareza.

- Que droga – eu havia me esquecido. – Cadê ele? – perguntei.

- Está arrumando algumas malas – ela estava realmente empolgada. Mal conseguia ficar parada.

- O que ele te fez, lavagem cerebral? – perguntei notando todo seu entusiasmo.

- Não. Ele só me disse que vai ser bom para a família – respondeu ela, enquanto me colocava na cadeira de rodas.

- Vamos. Empurre essa cadeira, menina – mamãe falava com muita empolgação.

- Calminha aí, mãe – interferi o seu entusiasmo contagioso.

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Um comentário:

  1. obrigada galera do clube dos autores, vcs estão me ajudando a realizar um grande sonho..
    Fernanda - a autora

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