O QUE FAZEM OS SOLITÁRIOS????

O QUE FAZEM OS SOLITÁRIOS????
a solidão perturba, machuca, mas como toda a indicação de um bom médico... Nada em excesso faz mal - ou melhor, quase nada! rsrs... A solidão, às vezes faz bem! Porém Ana, deixou sua vida, por 2 anos se tornar um mar solitário... LEMBRANÇAS DE UMA ADOLESCENTE!

sexta-feira, 4 de junho de 2010

2º Parte do Capítulo 2...

- Você além de ter os traços dela, fala como se fosse a própria Carol – seu rosto estava coberto por lágrimas.
- Me desculpe. Por favor, não foi minha intenção deixá-lo triste... – minha vontade era de desaparecer.
- Vou me controlar – disse ele, com um sorrisinho torto, envergonhado.
Ficamos parados, olhei para o poncho que ainda estava na minha mão.
- Vou usá-lo com muito carinho. Em memória a sua irmã – eu disse enquanto, alisava o poncho verde musgo.
- Você é dez – disse Jonas levantando-se.
- Já vai? – perguntei.
- Preciso dar água aos bezerros – ele limpava rapidamente as lágrimas de seu rosto.
- Quer ajuda? – perguntei.
Ele arregalou os olhos, encarou minha cadeira de rodas, sei que não era a intenção dele me ofender, porém sua expressão me deixou triste.
- Entendi – eu disse numa voz abatida.
- Não... Quero dizer, sim, pode me ajudar. Só precisamos tomar certos cuidados – disse ele, tropeçando nas palavras.
- Eu não quero atrapalhar, Jonas – ele sacudiu a cabeça, estava visivelmente preocupado com o que iria falar.
- Vai ser legal se você for. Os animais gostam de você. Só preciso que a Claudia fique conosco, tenho medo de que eu não saiba cuidar bem de você, Ana.
- Tudo bem. Então eu vou chamá-la – eu fiquei animada.
- Legal – Jonas ficou mais aliviado.
Coloquei o poncho em cima da cama junto com o embrulho. Jonas me ajudou com a cadeira de rodas, fomos procurar a Claudia, ela nunca ficava longe, contudo a encontramos rapidamente.
Ela estava numa alegria contagiante.
- E ai cunhadinha? – disse ela, risonha.
- Claudia. Por favor? Meus pais não podem saber – murmurei.
Ela fingiu trancar a boca com um cadeado.
- Minha boca será um túmulo – ela gargalhou.
- Boboca – sussurrei.
Estávamos de frente para a cabana de frutas, o lugar cheirava a laranja.
- O que vocês querem? – Claudia me conhecia muito bem, sabia que aquela minha cara era de quem estava precisando de ajuda.
- Me acompanha até o Cercado? Quero ajudar o Jonas a dar água para os bezerros – supliquei.
- Sua mãe não vai gostar – disse ela a mim, em dúvida.
- Ela nem acordou ainda – insisti.
- Tudo bem – disse Claudia, empurrando minha cadeira alegremente.
Jonas olhou-me, piscou com os olhos.
- Conseguimos – suspirei.
Fomos correndo para o Cercado, literalmente. Claudia empurrava minha cadeira com tanta velocidade que parecia uma criança de dois anos brincando com o seu carrinho.
Os bezerros estavam amarrados longe de suas mães, caso o contrário eles sugariam todo o leite que Jonas venderia.
- Olha como eles estão alegres ao nos ver – eu estava perplexa com a inteligência dos bezerrinhos.
- É por causa do Jonas – disse Claudia. – Toda vez que ele os desamarra é para levá-los a bica de água.
- Eca, que nojo! Vocês me levaram para tomar água na mesma bica que os terneiros? – perguntei fazendo careta.
Jonas riu.
- Não sua boba. Vamos levá-los para outra bica, para a bica dos bezerros!
- Mas não tem problema se nós levarmos eles para a mesma bica, pois a água é corrente – disse Claudia, rindo da minha cara.
- Eu não entendo de mina, meu negócio é torneira. – ri junto com eles.
- Você é impossível, Ana – gritou Jonas lá de trás de uma árvore. Ele estava desamarrando o último bezerro.
- O que deseja que eu faça? – perguntei a Jonas, prestativa.
- Quero que corra atrás dos bezerros quando eu der o sinal – ele riu.
- É sério? – perguntei compungida. – Está falando sério?
- Está com medinho? – disse ele, provocando-me.
- Não... Quer saber? Eu estou sim. E se eles me derem um coice? Como estou na cadeira de rodas, seu alvo acertaria diretamente a minha cara e...
- Quanta asneira – Jonas revirou os olhos, rindo. – Eles são mansos demais para tamanha barbaridade.
- Tem certeza? – perguntei com a voz trêmula.
- Tenho. Se não eu pediria para você ficar em casa ao invés de me ajudar. Ele sorria com mais vontade.
- Coragem, Ana – incentivou-me Claudia, rachando de rir.
- Agora! – gritou Jonas.
Corajosamente eu virei minha cadeira para a direção dos bezerros, embalei-a com tanta velocidade que não conseguia nem ver as árvores direito. Os pobres bezerros corriam aceleradamente em direção a mina de água. Foi aí que a “ficha caiu”. Eu não sabia onde era a mina de água, na verdade, quem me guiava era os próprios bezerros aflitos.
- Jonas! – gritei de raiva.
Jonas estava escorado em um pinheiro, chorava de rir, mantinha a mão na barrida. Era uma imagem engraçada de se ver.
- Por que eu estou correndo atrás dos bezerros? – gritei com mais raiva.
- Porque você é uma boba – respondeu ele, soluçando. – Os bezerros sabem o caminho da mina, eu só preciso soltá-los – ele sentou-se nos pés da árvore, estava tonto de tanto rir. – Eles vão sozinhos – disse ele por fim.
- Quanta maldade – murmurou Claudia. Ela não ria na mesma intensidade que ele.
- Eu te odeio – começei a rir também.
Meu rosto estava suado, meus braços ardiam de tanto embalar a cadeira. Eu arfava de tanto impulsioná-la. Meu cabelo estava solto sem o meu consentimento, pois eu havia perdido minha presilha no meio do caminho.
- Vai ter troco – respondi gargalhando.
Jonas e Claudia tornaram-se meus melhores amigos e confidentes naquele acampamento. Eu estava me sentindo livre e feliz.
Encostei minha cadeira de rodas na mesma árvore que Jonas estava sentado, Claudia estava sentada no chão a nossa frente.
- Achei que você ficaria brava com a brincadeira – disse ela, com a voz suave.
- Com certeza eu ficaria, porém, resolvi perdoar – eu ainda estava ofegante.
- Legal – retrucou Jonas. – Porque isso é só o começo.
- Quer me torturar? – eu soluçava a cada meio segundo. – Fique sabendo que você não vai ter paz enquanto eu estiver aqui – ele fez cara de medo.
- Vocês parecem duas criançinhas, será possível que eu sou a única sensata entre o bando? – Claudia brincava com um galho da árvore.
- Sensata... Você? – Jonas estourou numa gargalhada aguda.
- Ana? – nós três viramos para ver quem chamava.
- Jacson? – perguntei ao ver aquele pontinho gordo no meio da pastagem.
- Jack, o que você está fazendo aqui? – eu fiquei preocupada.
- Papai e eu vamos pescar no açude atrás do Cercado – disse ele, alegre.
Jacson estava com uma camiseta de botão amarela e suas calças ultrapassavam o umbigo, certamente mamãe o vestira.
- Consegue consertar isto? – perguntou-me ele, referindo-se a sua roupa.
- Vem aqui – eu disse encabulada. – abaixei a calça e tirei a camiseta de dentro dela. – Pronto, está melhor.
- Obrigado, Ana – disse ele com uma carinha aliviada. – Oi Jonas? – eles se cumprimentaram com uns apertos de mão esquisitos. – Oi Claudinha? – repetiu o gesto.
- O que é isso? – perguntei referindo-me aos cumprimentos.
- É a moda da garotada – Jacson falava, enquanto suas pequenas mãos o acompanhavam em gestos.
Logo vi meu pai se aproximar de nós.
- Olá meninos? – ele estava ridículo, chapéu de caubói, um palito entre os dentes e as varas de pesca nas mãos.
- Oi – respondemos em coro.
- Acordaram junto com as galinhas? – perguntou ele.
- Não pai, é que o senhor costuma acordar tarde. Agora são exatamente onze e meia da manhã – eu disse olhando para meu relógio de pulso.
- Obrigada garota do relógio – ele riu.
- De nada, senhor caubói – todos riram, aproveitaram minha crítica para soltar a gargalhada que estava presa.
- Está tão ruim assim? – perguntou ele, olhando para seu modelito.
- Está tipo assim... Cafona – gargalhamos.
- Quanta sinceridade – resmungou ele.
- Não liga não, seu Marcos – disse Jonas. – As mulheres mais velhas gostam desse tipo de visual.
- Muito obrigado Jonas – papai exaltou o Muito obrigado.
- Querem vir conosco? – perguntou Jacson, educadamente.
- Acho que não. Eu odeio peixe – respondi.
- Então... Tchau, até o almoço – ele acenou com as mãos.
Minha barrica roncou quando Jack pronunciou a palavra almoço.
- Estou com fome – murmurei enquanto apertava minha barriga.
- Vamos voltar. Dona Julia já deve ter preparado o almoço – disse Claudia.
Julia era a empregada da família. Cuidava dos afazeres domésticos da casa. Inclusive do almoço. Estava na família desde o falecimento da mãe de Claudia.
De repente, Jonas começou a rir sem parar.
- O que foi? – perguntei assustada, ele parecia um louco.
- O que o Róger vai dizer quando contarmos a ele sobre seu mico? – Jonas estava decidido a contar.
- Você não faria tamanha crueldade, faria? – tentei mudar sua decisão.
- Não conte com isso – sussurrou Claudia, empurrando minha cadeira.
- Jonas? Assim ficará difícil me tornar sua cunhada. Além de eu ser paraplégica, me comporto como uma boba? Róger não vai gostar...
Parei de falar quando percebi que o sorriso de Jonas havia sumido.
- Falei alguma coisa que não devia? – perguntei assustada.
Claudia parou a cadeira, os dois me olharam com amargura no rosto.
- Nenhum de nós, inclusive Róger, incomoda-se com o fato de você ser paraplégica. Será que você nunca vai entender isso, Ana? – Claudia estava exaltada.
- Eu me incomodo – falei irritada.
- Bobagem, isso só fará você sofrer – resmungou Jonas.
- Gente, por favor? Eu não quero brigar, o meu dia está sendo tão maravilhoso...
- Está bem, mas nos prometa que vai parar de falar essas idiotices – disse Claudia gentilmente. –, pois toda vez que você toca nesse assunto, dizendo que o Róger, ou que nós nos importamos com o fato de você ser cadeirante, faz com que todos nós fiquemos tristes.
Eu estava tão acostumada com as pessoas me rejeitando, não havia percebido que eu havia encontrado amigos verdadeiros.
Na escola eu vivia com o grupinho dos rejeitados, éramos motivo de risos para o restante da turma. Ninguém sentava conosco, alguns tinham medo, outros vergonha e alguns não sabiam o que conversar comigo, era como se minha paraplegia fosse uma doença contagiosa.
- Vocês são as primeiras pessoas que me aceitam como eu sou – comecei a chorar.
- Não fique assim – disse Jonas limpando minhas lágrimas. – Nós mal a conhecemos pessoalmente, mas tenha certeza de que a amamos – ele se referia ao Róger também, pois Claudia me conhecia há muito tempo.
- Obrigada – respondi entre sorrisos e lágrimas.
- Acalme-se – disse ele dando-me um beijo no cabelo, pois meu rosto estava ensopado por novas lágrimas.
Realmente Jonas me considerava como uma irmã, meu coração ficou tão calmo em vê-lo tão carinhoso comigo.
- Vocês são uns doces – eu disse numa voz trêmula.
- Desculpe tê-la feito chorar – disse Claudia, afagando meu cabelo.
- Claudia, você não tem nada a ver com isso, eu sei que preciso mudar o meu jeito de pensar, de ver, de encarar meus problemas. Preciso me adaptar a esse novo modo de vida, aceitar minha paraplegia. Isso é um assunto meu, portanto, não se culpe de maneira nenhuma com o meu choro.
- Obrigada, Ana. – ela ficou tranquila após minha conclusão.
- Vamos logo para casa, pois minha fome está aumentando – eu disse impetuosa.
- Ana, onde você estava? – perguntou minha mãe, preocupada, assim que voltamos para a cabana.
- Calma dona Francine. Eu estava no Cercado com a Claudia e o Jonas – eu sorri embora meus olhos demonstrassem que eu tinha chorado.
- Pelo amor de Deus, Ana. Vê se da próxima vez em que você for sair com seus amiguinhos, me avise.
- Não avisei porque você estava dormindo, me desculpe – fiz uma expressão de arrependimento, que a fez me perdoar.
- Já almoçou? – perguntou ela.
- Não, mãe. Aonde eu almoçaria fora daqui? – perguntei juntando as sobrancelhas.
- Então almoce logo – murmurou ela.
Claudia e Jonas estavam ao meu lado a todo o tempo, foram completamente ignorados por minha mãe. Ela ficou encarando-os por alguns segundos, porém, não falou nada.
- Vá almoçar – insistiu ela, exasperada.
Jonas revirou os olhos sem que ela percebesse, enquanto empurrava minha cadeira.
- Estou começando a odiar sua mãe – disse ele, explodindo de raiva. – Ela é contra que você se divirta? – perguntou ele, com entonação de afirmativa.
- Francine só quer ver a filha protegida, é isso – Claudia tentou amenizar a situação.
- Eu vou falar com ela depois, essa história de proteção está passando dos limites – eu disse furiosa.
- Ana, mudando da água para o vinho, o que você e o Róger conversaram hoje? – Jonas engolia secamente uma farofa apimentada feita por Julia.
- Jonas, você quer saber o que seu irmão e eu conversamos? – eu estava perplexa ao vê-lo querer compartilhar minha privacidade.
- É. Você gostou dele? – Jonas emendava pergunta sobre pergunta.
- Desacelera – eu gesticulei com a mão. – Não tem jeito – murmurei. – Vou ter que te dar detalhe – eu estava conformada com a curiosidade deles.
- Anda logo... – Claudia mostrou-se mais curiosa do que Jonas.
- Está bem. Ele é muito simpático, conversamos muito, especialmente sobre trabalho...
- Trabalho? – Claudia arregalou os olhos, surpresa.
- Sim. Ele me contou sobre sua profissão e eu lhe contei sobre a escola – eu sorri ao vê-los apavorados.
- Eu não posso acreditar que o Róger passou os últimos dias nos azucrinando para te conhecer e quando ele tem a oportunidade... Fala de trabalho? – Claudia estava com o rosto tenso, certamente controlava-se para não explodir de raiva.
- Claudia? O que você queria que ele fizesse? – perguntei rindo.
- Não sei Ana. Mas falar de trabalho não é o que nós esperávamos dele.
- Mas ele falou sobre outras coisas também, falou sobre um retrato que certa pessoa o deu, não é Claudia?
Rimos juntos, a tensão de Claudia sumira aos poucos.
Empurrei minha cadeira para o meio deles, fiquei entre Claudia e Jonas, dei-lhes um abraço de urso.
- Vocês dois são muito curiosos, eu não vou dar tantos detalhes de minha conversa, mas se quiserem dizer alguma coisa a ele, diga que eu adorei cada segundo.
- Hmmm, você está apaixonada – Jonas apoiava seu braço esquerdo sobre a mesa, encostando-o no queixo, parecia pensativo.
Meu rosto fora ficando vermelho. Desviei os olhos daqueles dois malucos, tentei me concentrar numa resposta eficaz que o faria silenciar.
- Cale a boca, Jonas – eu disse entre sorrisos e sermões. – Como eu poderia me apaixonar por uma pessoa que mal conheço?
- Simples – sorriu ele. – Do mesmo modo que milhões de pessoas se apaixonam. Isso é normal – disse ele, num tom calmo e expressivo demais.
- Ele marcou outro encontro? – Claudia segurava minha mão na expectativa.
- Sim – respondi encolhendo-me. A voz reprimida pelo medo.
- Sabia, eu sabia! – gritava ela, andando pela cozinha.
- O Róger é muito decidido do que fazer – Jonas falava como se não estivesse nada surpreso.
- Quando vai ser? – perguntou ela, sentando-se novamente.
- Ele disse que da próxima vez virá aqui, na cabana, me ver – eu estava ofegante, mal podia falar.
- Que lindo – Claudia repetia estas palavras por várias vezes. – vai dar namoro.
Meu estomago embrulhou, fiquei tonta só de pensar nessa hipótese.
- Você está bem? – perguntou Jonas, aflito.
- Estou, acho que sim – respondi balançando a cabeça a fim de parar com a tontura. – Não se empolguem – falei firmemente.
- Empolgar? Por que não? – Claudia estava em outro nível, poderia considerá-la como a mãe da empolgação.
- Porque eu nunca, jamais iria aceitá-lo como meu namorado – minha voz ficou rouca repentinamente. – Sei que vocês ficarão magoados, mas, a minha paraplegia atrapalharia tudo – suspirei.
- De novo não – Jonas segurou as duas mãos sobre a cabeça, parecia estar enlouquecendo.
- Não adianta ficar assim, Jonas – eu falei apontando sua falsa insanidade. – Estou decidida. Se eu fosse uma garota normal como as outras... Com certeza aceitaria, porém não posso negar minha condição.
- Que estupidez – bufou Claudia.
- Vamos brigar de novo? – perguntei tentando acalmar a situação.
- Quantas vezes você quiser – respondeu ela, sorrindo estupidamente. – Há! – gritou ela. – Se por acaso você gosta desta enfermeira aqui – referiu-se a si mesma. –, por favor, aceite o pedido de namoro dele, se não terá que procurar por outra.
Ela estava enraivecida, largou metade da comida no prato e bateu a porta da cozinha com tanta força, que fez meu copo de suco dançar na mesa.
- Nossa, que medo – eu disse sem demonstrar preocupação, embora meu coração estivesse preparando-se para explodir.
- Claudia dificilmente brinca com coisa séria – Jonas ficou sem expressão alguma, a única coisa que pude notar foi um sorrisinho de canto em seu rosto.
- Perdi a fome – retribuí o seu sorriso sem expressão e fui para fora.
- Mana, olha o tamanho desse peixe – Jacson estava sentado no chão de frente para a cabana, enquanto papai limpava os peixes.
- É enorme – falei sem entusiasmo algum.
Eles estavam com uma bacia gigantesca, lotada deles. O cheiro daquele lugar ficara insuportável, tive que respirar o mínimo possível para suportar.
- Pelo visto a pesca foi boa? – tentei puxar assunto com os dois que estavam completamente entretidos com a limpeza.
- Você não faz ideia – disse meu pai, sorrindo, porém, juntando as sobrancelhas ao abrir outro peixe.
- Que nojo, Marcos – murmurou minha mãe, do outro lado da cabana.
- Nossa. Desde quando ela acordou, está sentada ali, tomando sol – eu disse aos sussurros, para ela não ouvir.
- É assim que ela gosta de se divertir – murmurou meu pai, enquanto passava sua mão, agora desocupada, cheia de escamas pelo rosto.
- Eca – fiz a careta mais feia que pude, quando vi aquela cena.
Ouvi a voz de Jonas aproximando-se dali. Fechei a cara, antes que ele chegasse.
- Pescaram bem – alegrou-se ele.
- O mar estava para peixe – brincou meu pai, agarrando outro daqueles escamosos.
- Quer ajuda? – Jonas ajoelhou-se para ajudar, sem esperar a resposta.
Ele olhou-me pelo canto dos olhos, deu um sorrisinho de provocação e virou-se rapidamente para continuar a limpeza.
- Estou sobrando – sussurrei sem que ninguém ouvisse.
- Olá? – meu coração disparou quando ouvi aquela voz.
- Róger? – perguntou Jonas, virando-se subitamente.
- A loja fechou mais cedo – explicou-se ele, pois ainda era horário de expediente.
- Quer a chave de casa, não é? – Jonas levantara-se para pegá-la em seu bolso. – Está aqui – disse ele, prestativo.
- Obrigado. Mas eu vim para falar com a Ana.
Meu corpo amoleceu. Se eu não estivesse numa cadeira de rodas e sim em pé, tenho certeza de que eu cairia no chão.
Uma gota de suor escorreu pelo meu rosto, um vento gelado soprava nela, fazendo com que eu sentisse com clareza meu suor gélido.
- Ana? Você quer falar com a Ana? – meu pai levantou-se, deixando a faca de corte em cima de uma mesa improvisada. – Vocês se conhecem? – perguntou ele para mim.
- Sim – engasguei-me com a saliva. – Errr... Nos... Conhecemos hoje.
- É. Logo pela manhã. – afirmou Róger, sorridente.
- Eu não quero parecer com aqueles pais chatos, mas o que fez você vir aqui falar com a minha filha?
- Gostei muito de conversar com ela, e para ser sincero, quero conhecê-la melhor – Róger estava tranquilo e ainda sorridente.
Meu pai olhou para mim, assustado talvez. Não sabia o que dizer.
- Mas, mas... – gaguejou ele. Mas quer conhecê-la com qual intenção?
- Eu estou interessado em sua filha, Marcos. Não a conheci hoje, eu acompanho a história dela desde quando a Claudia começou a trabalhar para vocês. Sempre a admirei e hoje tive a oportunidade de conhecê-la pessoalmente. Acho que, de certa forma, ela percebeu meu interesse. Espero não estar te surpreendendo, Ana.
Ele olhava fixamente em meus olhos, eu falava, porém nada saía de minha boca, era como se meu volume estivesse no mudo.
- Então quer dizer que você veio aqui, corajosamente, pedir minha filha em namoro? – meu pai ao falar essa última frase, já demonstrava sua aceitação.
- Sim. Mas, se o senhor preferir, eu posso vir outra hora – Róger falava com meu pai, porém, não tirava os olhos de mim.
- Por mim tudo bem, rapaz. Agora, você precisa saber se a Ana quer te namorar ou não – meu pai coçava a cabeça com a ponta da faca que havia retirado da mesa.
- O que você me diz, Ana? – ele inclinou-se para ficar frente a frente comigo.
- Eu... Eu... Eu – minha voz falhava a todo instante. Não conseguia responder, estava parecendo um gato quando tenta tirar a bola de pelos da garganta.
Todos ficaram na expectativa. Jacson que estava tão entretido com a limpeza dos peixes parou imediatamente para ver o que eu responderia.
- Minha irmã vai ter um namorado? – perguntou ele para o Jonas.
- Róger, você deveria ter falado comigo primeiro... – finalmente consegui falar.
- Desculpe-me – ele não tirava aquele sorriso do rosto, parecia não ver meu nervosismo.
- Preciso pensar... – disse enquanto ouvia o resto da família vaiar.
- Você vai rejeitar esse tipão de olhos verdes? – perguntou minha mãe, aproximando-se.
- Confesso que eu errei – admitiu Róger. – Devia ter falado primeiro com você. Desculpe-me de verdade, Ana.
Eu mal consegui ouvir o que ele dizia, estava preocupada com a frase de Claudia, “Se por acaso você gosta desta enfermeira aqui, por favor, aceite o pedido de namoro dele, se não terá que procurar por outra.” Será que ela cumpriria aquela promessa maluca? Fiquei em pânico.
- Róger? Podemos conversar em outro lugar? – meu rosto era suplicante.
- Claro – ele estava muito calmo. – Vamos? – se direcionou a minha cadeira, com a permissão de meu pai e me levou para a cozinha.
- Aqui está melhor – meu corpo ainda tremia.
- Precipitei-me, não é? – Róger sentara sobre uma cadeira de bar que estava próxima ao fogão. Empurrou-me para perto dele.
- Um pouco – falei tentando não arfar.
- Mas, você não gostou? Ou melhor, você não quer namorar comigo? – ele parecia estar disposto a me entender, se a resposta fosse não.
- Como você mesmo pode constatar, eu sou paraplégica. Sei que você diz que isso não lhe incomoda, mas...
- Mas? – incentivou-me ele a continuar.
- Mas eu tenho medo de você se arrepender ou...
- Ana. Vamos andar conforme nossos passos aguentam? – perguntou-me ele sem que eu entendesse.
- O quê? – franzi a testa.
- Primeiro, aceite meu pedido, depois vemos o que vai acontecer, tenha certeza de que eu não me importo com sua paraplegia – ele era tão dócil com as palavras, logo meu rosto voltou ao seu estado normal.
Precisei de um tempo, mas logo respondi.
- Então... Eu aceito – respondi lentamente para não precisar repetir.
Róger pegou minha mão e a beijou com muita delicadeza, senti-me em um filme de época, romântico, mas de época.
- Você é linda, mesmo assustada, você continua linda – suas palavras dóceis entravam no meu ouvido como uma canção de ninar.
Ele tirou por fim, uma caixinha de dentro do bolso, era preta, porém delicada.
- O que é isso? – perguntei curiosa.
Ele abriu e dentro havia uma aliança, era prateada. Antigamente não existia essa história de aliança para namoro, mas hoje isso é comum.
- Posso? – pediu ele, enquanto pegava minha mão direita.
- Pode – fiquei envergonhada, pois ela estava tão fria e suada que era impossível não perceber.
- Nervosa? – perguntou-me ele.
- Muito – respondi com um sorriso trêmulo.
Ana – disse ele, a voz vagarosa e monótona. – Eu passei o dia imaginando como eu lhe faria este pedido. Mas não pensei que você aceitaria. Seus olhos, por mais que eu tente, são indecifráveis, eu não sabia se estava lhe agradando hoje no encontro, ou não.
- Você me surpreendeu desde o início. Nunca pensei que algum dia pudesse encontrar alguém como você. – eu tossia constantemente para que minha voz saísse.
- E isso é bom? – perguntou-me ele, que ainda segurava minha mão, com a aliança já colocada.
- Sim. E espero confiantemente que continue como está. Ou melhore.
Rimos juntos. Eu, enfim, estava me acalmando.
- Agora, coloque a minha – ele entregou-me a aliança, esticando junto com ela sua mão direita.
Segurei sua mão com firmeza, ela era forte, mas ao mesmo tempo, tão frágil.
- Prontinho – eu disse por fim.
- Quanto tempo vai ficar aqui na Toca? – perguntou ele.
- Acho que uma semana – eu permaneci por um instante, com os olhos distantes dali.
- Algum problema? – ele me encantava cada vez mais, sua voz tornava-se a cada minuto, mais doce e suave.
- Só estou pensando – suspirei. – Meu pai decidiu vir para cá, porém eu não pensei que esse acampamento pudesse realmente mudar alguma coisa em relação com minha visão de mundo. Acho que me enganei – disse pausadamente essa última frase.
- Certamente mudou para melhor, não é? – ele levantara-se por alguns minutos, mas logo se sentou novamente.
- Sim. Embora eu tenha que melhorar... E muito. – concluí.
- O que conta, é você querer. O resto vem aos poucos – suspirou ele.
A semana estava passando rápido demais. Todos os dias, Róger vinha me ver, porém, eu não abandonara minha liberdade de diversão com o Jonas e a Claudia.

Ainda não acabou... Amanhã tem mais.
Por: Nandy Silveirinha.

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